Revista Jurídica Cajamarca

 
 

 

Telemedicina: breves considerações ético-legais

Genival Veloso de França (*)

 


 

Telemedicina – Breves Consideraciones Ético-Legales

Este artículo presenta no sólo una síntesis sobre las diversas modalidades en el uso de la telemedicina en la actualidad sino también el análisis de algunas reglas de conductas y principios éticos y jurídicos que deben ser considerados en la medida que sus recursos terapéuticos, diagnósticos y preventivos fueron puestos a disposición del individuo o de la colectividad. Ese enfoque tiene por finalidad delimitar sus actividades dentro de las reglas del respeto a la dignidad humana y de las cláusulas que respetan la legislación vigente.

Telemedicine – Brief Ethical-Legal Considerations

This article brings not only a synthesis on the various modes available today for the utilization of telemedicine, but also an analysis of some rules of conduct and ethical and legal principles which should be considered when its therapeutic, diagnostic and preventive resources are placed at the disposal of the individual or a group. This focus is aimed at setting boundaries for its activities within the rules of respect for human dignity and the clauses that comply with the legislation in effect.

 

Resumo: O presente artigo apresenta não só uma síntese sobre as diversas modalidades na utilização da telemedicina nos dias atuais mas também a análise de algumas regras de condutas e princípios éticos e jurídicos que devem ser considerados quando seus recursos terapêuticos, diagnósticos e preventivos forem colocados à disposição do indivíduo ou da coletividade. Esse enfoque tem por finalidade balizar suas atividades dentro das regras do respeito à dignidade humana e das cláusulas que respeitam a legislação vigente.

Unitermos: teleconsulta, telediagnóstico, medicina à distância.

 

Introdução

De um certo tempo para cá, inúmeras têm sido as oportunidades em que os médicos se valeram dos recursos tecnológicos da comunicação, a exemplo do fax, do telefone, da videoconferência e do correio eletrônico, como forma de atender e beneficiar melhor seus pacientes. Estes meios mais sofisticados da recente tecnologia da informação por certo vão facilitar ainda mais não só o intercâmbio dos profissionais de saúde entre si e com os pacientes mas também propiciar a resolução a distância de casos de ordem propedêutica e terapêutica. Já é possível, hoje, detectar enfartes por exames através do telefone em tempo real, ter sinais vitais do paciente transmitidos ao médico pela Web e poder realizar, por especialistas internacionais, cirurgias por videoconferências. Some-se a isso, ainda, a possibilidade do prontuário com acesso a Web para os profissionais que atuam em campo, e alguns projetos como o de teleoftalmologia - que permite exames periódicos em fundo de olho nas comunidades carentes ligadas a um centro médico especializado. Em suma, a questão atual não é mais se as tecnologias de informação vão ser imprescindíveis às ações de saúde, mas como e até onde esta proposta vai avançar.

No futuro, o simples uso da Internet mudará totalmente a maneira de praticar e promover a medicina e as ações de saúde em geral, desde um simples resultado de exame por e-mail até o controle a distância das filas de transplantes. A telemedicina é, sem dúvida, a maior revolução na assistência em saúde nestes últimos anos.

Mesmo assim, dentre as profissões técnicas a medicina é a que até agora menos se beneficiou da tecnologia, a que menos se esforça nesse sentido e a que mais tem a se beneficiar. Para tanto, o médico terá de modificar substancialmente sua formação, qualificação e o próprio comportamento profissional.

Dessa forma, pode-se conceituar telemedicina como todo esforço organizado e eficiente do exercício médico à distância que tenha como objetivos a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de indivíduos isoladamente ou em grupo, desde que baseados em dados, documentos ou outro qualquer tipo de informação confiável, sempre transmitida através dos recursos da telecomunicação. Some-se a isto a possibilidade efetiva do acesso à informação através dos diversos modelos de ensino médico continuado. Tal conceito e prática foram recomendados ultimamente pela Declaração de Tel Aviv, adotada pela 51ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, em outubro de 1999, em Israel, a qual trata das “Normas éticas na utilização da telemedicina”.

Pelo visto, pode-se afirmar que a telemedicina tem vantagens potenciais e sua demanda aumentará à medida que os meios de telecomunicação tornem-se cada vez mais disponíveis e confiáveis. Os pacientes mais beneficiados serão certamente os que não dispõem de acesso a especialistas, ou aqueles cuja atenção básica é precária ou inexistente. Muitas especialidades que trabalham com imagens médicas, como radiologia, patologia, ortopedia, cardiologia e dermatologia, poderão socorrer-se dos recursos tecnológicos da comunicação para prestar sua contribuição. Além do mais, a telemedicina será de grande utilidade na educação médica continuada e na contribuição da pesquisa.

Hoje, não mais cabe discutir se as tecnologias de informação serão ou não utilizadas nos projetos terapêuticos, preventivos e propedêuticos em favor dos níveis de vida e de saúde das populações, mas como essas informações vão ocorrer ao longo do tempo com segurança e proteção da confidencialidade. Ainda mais porque há um nível na proteção da saúde, como nas ações preventivas, onde a informação é um elemento de necessidade absoluta para a propagação e animação coletivas.

Em suma, a verdade é que as redes internacionais de computadores eliminaram os limites geográficos, permitindo uma nova e fascinante experiência na sociedade global ligada eletronicamente, desafiando, assim, todas as formas convencionais do exercício tradicional da medicina. Nisto pode-se dizer que se ganha na redução de tempo e despesas na locomoção dos pacientes, na interação entre profissionais, na qualidade da reciclagem médica, na desospitalização, no concurso rápido de profissionais de diversas áreas em acidentes de massa, no gerenciamento dos recursos em saúde, na descentralização da assistência à saúde, entre tantos.

Em face destes acontecimentos e como era de se esperar, vêm surgindo alguns problemas, principalmente pela não-existência de normas internacionais e de órgãos mediadores capazes de limitar um ou outro impulso com regras éticas e legais bem definidas. Daí se perguntar: como garantir os níveis mínimos de qualidade do sistema de teleassistência? Qual a melhor forma de garantir a confidencialidade e a segurança dos dados enviados e das recomendações recebidas? Como se criar um padrão de qualidade internacional capaz de atender aos interesses dos pacientes e dos médicos do mundo inteiro?

O fato é que ainda não dispomos em nosso país de instrumentos jurídicos e de normas éticas específicas para regular o sistema eletrônico de troca de informações no campo da medicina. Além disso, ainda perdura por parte dos Conselhos de Medicina uma resistência a certas modalidades deste modelo assistencial. Basta ver o parecer do Cremesp, referente à consulta nº 56.905/97, cuja ementa diz o seguinte: “É vedada a consulta médica feita de qualquer forma que não seja pessoalmente, no paciente”. Todavia, o Conselho Federal de Medicina, instado pelo Cremerj a respeito de consulta da Petrobrás sobre orientação médica à distância para embarcações, plataformas marítimas e instalações na selva, sintetizou na ementa do Parecer CFM nº 31/97 o seguinte: “Pode o médico que, excepcionalmente por força de lei ou função, por obrigação a exercer plantão telefônico para assessoria a situações de urgência ou emergência ocorridas em embarcações e plataformas, oferecer integralmente opinião dentro de princípios éticos e técnicos para tratamento de pessoa necessitada, correlacionando-a às informações obtidas, não sendo responsável pelo exame físico e execução do procedimento a ser adotado por terceiros”.

As razões mais manifestas para a implantação do sistema de telemedicina são o envelhecimento da população e o aumento progressivo dos pacientes crônicos e com caráter degenerativo, a elevação dos custos com a saúde e as dificuldades de acesso ou translado para as clínicas e hospitais.

Assim, a telemedicina constitui, hoje, campo muito promissor no conjunto das ações de saúde e os seus fundamentos devem começar a ser parte da educação médica básica e continuada. Portanto, deve-se oferecer oportunidades a todos os médicos e outros profissionais de saúde interessados nesta interessante forma de assistência.

Ipso facto, não há como desconhecer que o uso adequado desta inovadora forma de atendimento ao paciente pode trazer inúmeras e potenciais vantagens, e, ainda, a possibilidade de que tal estratégia tem de avançar cada vez mais. Não só pelo fato do pronto-atendimento em locais mais remotos, senão ainda pela oportunidade de acesso aos especialistas da medicina curativa ou preventiva. Um exemplo bem simples disto é a transmissão de imagens e resultados de exames transferidos a uma avaliação à distância em áreas como radiologia, patologia, cardiologia, neurologia, entre outras. Ainda mais: tais propostas, além de poderem, quando bem utilizadas, beneficiar os pacientes - agindo prontamente, diminuindo custos e minimizando riscos com suas locomoções –, atraem um maior número de especialistas em favor dos níveis de vida e de saúde das pessoas.

O uso da telemedicina depende, pois, do acesso aos meios tecnológicos modernos que infelizmente não são disponíveis em todas as regiões do planeta. Ademais, deve-se considerar que essa abordagem, principalmente a da assistência curativa ao paciente, conhecida como teleassistência, deve resumir-se a situações muito específicas da urgência e da emergência, pois em muitas dessas eventualidades não existe médico no local.

Por tal razão, a telemedicina traz consigo uma série de posturas que se confrontam com os princípios mais tradicionais da ética médica, principalmente no aspecto da relação médico-paciente, além de alguns problemas de ordem jurídica que podem despontar na utilização deste processo, pois ele suprime o momento mais eloqüente do ato médico: a interação física do exame clínico, entre o profissional e o paciente. A eliminação da relação pessoal médico-paciente de imediato altera alguns princípios tradicionais que regulam o exercício ético da medicina. Portanto, há certas normas e princípios éticos que devem se aplicar aos profissionais que utilizam a telemedicina.

Neste processo, muitas vezes a relação médico-paciente exige a transmissão de informações eletrônicas - como pressão arterial e eletrocardiogramas -, chamada de televigilância. Esta televigilância, utilizada com mais freqüência aos pacientes com enfermidades crônicas como diabetes, hipertensão, deficiências físicas ou gestações de alto risco, necessita que se faculte um certo aprendizado ao paciente e seus familiares para que possam receber e transmitir informações às necessárias e imprescindíveis. O ideal seria poder contar com enfermeiros ou pessoas especialmente qualificadas para obter e utilizar resultados bem seguros, pois a presença de profissionais de saúde propicia maior segurança aos dados.

Já se cogita realizar a consulta normal do paciente com seu médico através dos meios de telecomunicação, como a Internet, a chamada teleconsulta ou consulta em conexão direta, onde não existe o contato frontal com o examinado nem os dados semióticos disponíveis, e nem a presença de outro médico no local. A partir daí inicia-se uma série de riscos que passam pela incerteza, insegurança e desconfiança das informações; por outro lado, o paciente teme pela não-identidade e qualificação do médico, e pela confidencialidade das suas declarações.

O fundamento basilar de todos os procedimentos nesta forma de relação médico-paciente - independente do valor e do tipo de processo eletrônico utilizados - não pode se afastar dos incondicionais princípios da ética médica a que estão sujeitos os médicos por irrecusáveis compromissos históricos e profissionais.

1.       A relação médico-paciente

Em princípio, por mais importante e necessária seja a telemedicina, ela não pode subverter os ditames que sustentam e dignificam a relação individual entre o médico e o paciente. Se este recurso eletrônico for ministrado de forma correta e competente, terá um potencial muito grande de não só trazer mais benefícios mas também melhorar e ampliar esta relação através das inúmeras oportunidades de comunicação e acesso de ambas as partes.

Todos sabem que a relação médico-paciente deve ser construída através da confiança e do respeito mútuo, onde exista a independência técnica de opinião e de conduta e o princípio da autonomia que outorga ao paciente o direito de ser respeitado em sua privacidade. Por isso, impõe-se nesta relação uma dupla identidade de crédito e de respeito. Inclusive, está o médico obrigado a informar o paciente sobre todos os riscos potenciais nesta forma de assistência, e não simplesmente o influenciar para dele conseguir a adesão.

Parece-nos que a mais imediata indicação do uso da telemedicina seja nos casos em que um profissional necessita de orientação de um colega mais experiente que se encontra distante. Fica claro que tal procedimento só está justificado quando aquele outro profissional não pode estar presente, pois o ideal é que o paciente veja seu médico na consulta ou na realização de um procedimento, ou pelo menos conte com uma relação preexistente. Assim, é fundamental a participação do paciente com seu consentimento esclarecido.

Todas as informações transmitidas sobre o paciente ao médico consultado só têm respaldo se são permitidas por aquele de forma livre e consciente ou pelos seus responsáveis legais. Excetuam-se os casos de comprovado iminente perigo de vida. Nestas oportunidades, onde se emprega meios eletrônicos, não é raro o vazamento de informações – o que impõe a necessidade de adotar as medidas de segurança para que esse indesejado resultado não venha a ocorrer, protegendo-se desse modo a confidencialidade do paciente.

Todavia, há situações, como na urgência e na emergência, onde deve prevalecer a situação periclitante do paciente, ficando com o médico a decisão daquela consulta e daquelas recomendações, embora apenas isso não o isente de responder por outros deveres de conduta, como o de vigilância e de abstenção de abuso.

2.       A responsabilidade dos médicos

Mesmo que a decisão de usar a telemedicina seja em benefício do paciente, o médico não tem a liberdade absoluta de recomendar ou de se utilizar desses conselhos à distância, principalmente se isso envolve a privacidade e o respeito ao sigilo em favor do assistido. Por isso, é falso dizer-se que a decisão de utilizar ou recusar a telemedicina seja baseada somente no possível beneficio do paciente.

O médico que utiliza a telemedicina diretamente ao paciente, mesmo com seu consentimento esclarecido, não deixa de ser responsável pelos maus resultados advindos deste recurso, seja na conclusão do diagnóstico, do tratamento ou das intervenções realizadas, quando comprovado o descumprimento dos seus deveres de conduta. O médico que solicita de outro colega uma opinião fica responsável pela condução do tratamento e de outra qualquer decisão que venha a tomar na assistência do seu paciente. O mesmo ocorre com o teleconsultado no tocante a sua responsabilidade naquilo que é atinente à qualidade e quantidade da informação, a não ser que se comprove a existência do recebimento de informações precárias ou equivocadas. O médico não pode responder se não obteve suficiente informação do paciente ou mesmo do médico local para que possa dar uma opinião bem fundamentada.

Quando essas informações são repassadas por pessoas não-médicas é muito importante que o médico teleconsultado se assegure bem da formação e da competência destes outros profissionais de saúde, no sentido de garantir uma utilização devidamente apropriada e que não tenha nenhuma implicação nos seus aspectos ético-legais.

Há outro fato bem complexo: o uso, por médicos, de programas chamados “sistemas especialistas” (específicos a certas especialidades médicas), com possibilidade de um certo raciocínio dedutivo e por isso capaz de diagnosticar e tratar alguns problemas de saúde. Nos casos de danos produzidos no paciente, de quem é a responsabilidade? Da empresa que comercializa, do autor do programa ou do médico que o utilizou?

Por outro lado, em alguns países de tecnologia mais avançada já correm ações na Justiça contra médicos e hospitais que não utilizaram determinados programas para garantir um melhor diagnóstico. Isto porque já se fala da existência de programas voltados para “urgências abdominais”, que apresentam um desempenho superior ao de considerável fração de médicos, como residentes e assistentes. E o que dizer de aparelho comerciais de EEG que conseguem interpretar corretamente as alterações obtidas em 100% das vezes e ainda oferecem sugestões ao médico? E quando alguns serviços já tornam obrigatório o uso desses programas?

Daí se perguntar? Estaria o médico impelido a usar sempre esse tipo de software, quando seu código lhe veda “deixar de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente?”. O risco está em se transformar o computador num especialista.

O mais grave nesta situação é quando se difunde este recurso à população em geral, como por exemplo nas redes particulares de computadores, através de “consultas” em qualquer área médica, entre outros, por um programa conhecido por Cyberdoctor. É claro que neste último caso as implicações de ordem ética e legal são de maior gravidade, além dos riscos das implicações criadas e das situações desfavoráveis aos pacientes.

Mesmo que no Brasil ainda estejamos numa fase inicial de utilização dos elementos tecnológicos da inteligência artificial, nada impede que se comece a discutir regras que possam balizar as questões que envolvem o uso da telemedicina. Tanto no que diz respeito à elaboração de uma legislação pertinente como no encaminhamento das decisões dos processos ético-administrativos nos Conselhos de Medicina. Isto porque, logo mais, vamos enfrentar questões não somente voltadas à qualidade de alguns programas, mas ainda aos intricados e confusos dilemas éticos e morais deles oriundos.

3.       Responsabilidade do paciente

Muitas são as ocasiões em que o próprio paciente é quem assume a responsabilidade da coleta e transmissão dos dados ao médico que está distante. Nessas circunstâncias, exige-se do profissional o dever de assegurar-se da certeza daquilo que o paciente informa, bem como avaliar se o mesmo detém uma compreensão compatível com o nível de informações enviadas e recebidas, e se com isso vai utilizá-las de forma adequada, pois o sucesso da orientação a distância depende de tal entendimento.

A mesma regra se aplica a um membro da família ou a outra pessoa que possa ajudar o paciente a utilizar a telemedicina.

4.       Segurança e qualidade da atenção em telemedicina

O médico só pode optar pelo uso da telemedicina se este for o melhor caminho em favor do seu paciente, sabendo que será responsável pela qualidade da atenção prestada a seu assistido.

O grau da qualidade do diagnóstico, por exemplo, é assunto ainda não devidamente analisado e por isso necessita de uma avaliação sem o entusiasmo dos ufanistas deste processo. Há autores que consideram uma possibilidade de 40% de erros na interpretação de dados clínicos a distância, o que certamente é um percentual preocupante.

Em vista disso, tem-se de avaliar a existência de uma estrutura capaz de assegurar se as orientações enviadas serão suficientemente entendidas e em condições de serem colocadas em favor do paciente conforme as recomendações dirigidas. Para tanto, é preciso dispor de meios eficazes para avaliar a qualidade e a precisão da informação enviada.

O médico consultado só deve dar opiniões e recomendações, ou tomar outra qualquer decisão, se a qualidade da informação recebida é suficiente e pertinente para o caso em questão.

5.       História clínica do paciente

É norma obrigatória que na utilização da telemedicina tanto o médico consultado como o médico consulente mantenham prontuários clínicos adequados dos pacientes e que os detalhes de cada caso sejam registrados de forma devida.

Este registro nosográfico do paciente tem um valor muito importante no momento em que se utilizam tais informações e quando da avaliação de um resultado atípico ou indesejado. Assim, deve-se sempre anotar todos os dados de identificação do paciente, bem como a quantidade e qualidade das informações recebidas. Idêntico procedimento deve também ser feito com os achados, recomendações, condutas indicadas e cuidados utilizados, além de se manter todas essas informações em condições de serem preservadas pelo tempo recomendado pelo Conselho Federal de Medicina: 10 anos.

Acresça-se a isto, também, a necessidade imperiosa de se usar meios eletrônicos confiáveis para que a transmissão e o arquivamento das informações trocadas sejam protegidos e garantidos em favor da privacidade e da confidencialidade de dados do paciente.

6.       O consentimento do paciente

Com o avanço cada dia mais eloqüente dos direitos humanos, o ato médico, em regra, só alcança sua verdadeira dimensão e o seu incontrastável destino quando se tem o consentimento do pa­ciente ou de seus responsáveis legais. Assim, grosso modo, todo procedimento profissional necessita de uma autorização prévia. Este fundamento atende ao princípio da autonomia ou da liberdade, onde todo indivíduo tem por consagrado o direito de ser autor do seu próprio destino e de optar pelo caminho que quer dar a sua vida.

Desse modo, a ausência desse requisito pode caracterizar infrações aos ditames da ética médica, a não ser em delicadas situações confirmadas por iminente perigo de vida.

Além disso, exige-se não só o consentimento puro e simples, mas o consentimento esclarecido. Entende-se como tal o consentimento obtido de um indivíduo capaz civilmente e apto para entender e considerar razoavelmente uma proposta ou uma conduta isenta de coação, influência ou indução. Não pode ser obtido através de uma simples assinatura ou de uma leitura apressada em textos minúsculos de formulários a caminho das salas de operação. Mas por meio de linguagem acessível ao seu nível de convencimento e compreensão (princípio da informação adequada).

O esclarecimento não pode ter um caráter estritamente técnico em torno de detalhes de uma enfermidade ou procedimento. A linguagem própria dos técnicos deve ser descodificada para o leigo, para que não tenda a interpretações duvidosas e temerárias. É correto dizer ao doente não só os resultados normalmente esperados, senão ainda os riscos que determinada intervenção pode trazer, sem, contudo, descer a minúcias e detalhes mais excepcionais. É certo que o prognóstico mais grave pode ser perfeitamente analisado e omitido em cada caso, embora não seja correto privar a família desse conhecimento

Deve-se levar em conta o “paciente pa­drão razoável" - aquele que é capaz de entender a informação e satisfazer as expectativas de outros pacientes nas mesmas condições socioeconômico-culturais. Não há necessidade de que essas informações sejam tecnicamente detalhadas e minuciosas. Apenas que sejam corretas, honestas, compreensíveis e legitimamente aproximadas da verdade que se quer informar. O consentimento presumido é discutível por uns e radicalmente inaceito por outros.

Se o paciente não pode falar por si ou é incapaz de entender o ato que se vai executar, estará o médico obrigado a conseguir o consentimento de seus responsáveis legais (consentimento substituto). Para tanto, deve saber realmente o que é representante legal, pois nem toda espécie de parentesco qualifica um indivíduo como tal.

Deve-se também considerar que a capacidade de o indivíduo consentir não tem a mesma proporção entre as normas ética e jurídica. A reflexão sobre o prisma ético não apresenta a inflexibilidade da lei, pois certas decisões, mesmo as de indivíduos considerados civilmente incapazes, devem ser respeitadas principalmente quando se avalia uma situação de per si. Assim, por exemplo, os portadores de transtornos mentais, mesmo quando legalmente incapazes, não devem ser isentos de sua capacidade de decidir.

Registre-se ainda que o primeiro consentimento (consentimento primário) não exclui a necessidade de consentimentos secundários. Desse modo, por exemplo, um paciente que permite seu internamento num hospital não está com isso autorizando o uso de qualquer meio de tratamento ou de qualquer procedimento.

Sempre que houver mudanças significativas nas condutas terapêuticas deve-se obter o consentimento continuado (princípio da temporalidade), porque ele foi dado em relação a determinadas circunstâncias de tempo e condições. Por tais razões, certos termos de responsabilidade exigidos no momento da internação por alguns hospitais, onde o paciente ou seus familiares atestam anuência aos riscos dos procedimentos que venham a ser realizados durante sua permanência nosocomial, não têm nenhum valor ético ou legal. E se tal documento foi exigido como condição imposta para o internamento, numa hora tão grave e desesperada, até que se prove o contrário isso é uma indisfarçável coação.

Admite-se, também, que em qualquer momento da relação profissional o paciente tem o direito de não mais consentir uma determinada prática ou conduta, mesmo já consentida por escrito, revogando assim a permissão outorgada (princípio da revogabilidade). O consentimento não é um ato irretratável e permanente. E ao paciente não se pode imputar qualquer infração de ordem ética ou legal.

Por outro lado, há situações em que, mesmo existindo a permissão consciente, tácita ou expressa, não se justifica o ato permitido, pois a norma ética ou jurídica pode impor-se a essa vontade e a autorização não outorgaria esse consentimento. Nesses casos, quem legitima o ato é a sua indiscutível necessidade e não a discutida permissão (princípio da não-maleficência).

O mesmo ocorre quando o paciente nega autorização diante de imperiosa e inadiável necessidade do ato médico salvador, frente a iminente perigo de vida. Nesses casos justifica-se o chamado tratamento arbitrário, onde não se argüi a antijuridicidade do constrangimento ilegal nem se pode alegar a recusa do consentimento. Diz o bom-senso que, em situações dessa ordem, quando o tratamento é indispensável e o paciente se obstina, estando seu próprio interesse em risco, deve o médico realizar, por meios moderados, aquilo que aconselha sua consciência e o que é melhor para o paciente (princípio da beneficência).

Por fim, não podemos esconder o fato de que estas questões, na prática, são muito delicadas e até certo ponto confusas, cabendo a nossa consciência aplicar todos os princípios a cada caso que se apresente para nossa consideração ou deliberação.

7.       Sigilo e privacidade

Mesmo que o sigilo médico, nos dias atuais, não possa ser comparado ao da época hipocrática, deve-se entender que a medicina é uma profissão, em vista de sua natureza e circunstâncias, sujeita a uma forma mais rigorosa de conduta. Da maneira como está colocado nas normas éticas e jurídicas, o segredo médico compreende ainda certos fatos que traduzem uma obrigação moral e legal que repousa sobre uma noção de ordem pública e de interesse social.

As normas de proteção da confidencialidade do paciente também se aplicam quando da utilização da telemedicina. Qualquer que seja a informação sobre o paciente ela só pode ser revelada ao médico ou a outro profissional de saúde se isso for autorizado pelo paciente ou familiares, com o respectivo consentimento esclarecido.

Toda informação transferida deverá ter relação com o caso em discussão. E para que se possa proteger com segurança a confidencialidade do paciente, levando-se em conta os riscos de vazamento de dados, o médico deve tomar todos os cuidados necessários impostos a determinados tipos de comunicação eletrônica.

Desta maneira, quando se utiliza a telemedicina, mesmo sabendo-se de sua complexidade, o silêncio exigido aos médicos tem a finalidade de impedir que a publicidade sobre certos fatos conhecidos traga prejuízos aos interesses morais e econômicos dos pacientes pela desnecessária revelação. A privacidade de um indivíduo é, pois, um ganho que consagra a defesa da liberdade e a segurança das relações íntimas, por princípio constitucional e por privilégio garantido na conquista da cidadania. A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura “o direito de cada pessoa ao respeito de sua vida privada”.

Deve-se entender que o segredo pertence ao paciente. O médico é apenas o depositário de uma confidência. A necessidade do sigilo nasceu por exigência das necessidades individuais e coletivas: em favor dos pacientes, dos familiares e da sociedade em geral. Todavia, ainda que o segredo pertença ao paciente, o dever de guarda da informação existe não pela exigência de quem conta uma confidência, mas pela condição de quem a ele é confiada e pela natureza dos deveres impostos a certos profissionais. Em suma, a proteção do segredo é um patrimônio público.

A verdade é que fatos novos surgidos a partir do uso da telemedicina tendem a criar uma nova disposição no relacionamento médico-paciente. A clássica concepção de sigilo profissional vai sendo contestada na medida em que avançam as necessidades do indivíduo e da sociedade, e que modificam os valores morais protegidos desde tempos imemoriais.

Assim, quando alguns atos médicos são televisionados ao vivo e quando os sinais vitais de um paciente podem ser enviados pela Internet ou fax, o segredo médico vai se colocando num plano ético de limites confusos e conflitantes. A verdade é que o segredo médico entre uma época e outra não é mais o mesmo. Por isso, é atualmente o mais discutido e controverso problema deontológico, em virtude dos múltiplos e complexos aspectos que se oferecem diante de uma atividade de progressão tão vertiginosa.

Em todo o mundo, as legislações consagram a inviolabilidade do segredo médico. O objetivo dessa proteção não é só estabelecer a confiança do paciente, cujas informações são fundamentais para assegurar um diagnóstico correto e uma terapêutica eficiente: é também por um imperativo de ordem pública e equilíbrio social.

A forma utilizada para a revelação dessas confidências em telemedicina pode ser a mais diversa. Basta que o conteúdo do segredo e a identidade do paciente sejam levados ao conhecimento público ou particular.

A verdade é que o diagnóstico médico computadorizado vem há muito tempo sensibilizando clínicos e programadores de sistemas a se debruçarem mais detidamente sobre a questão. Mesmo que exista grande número de projetos de pesquisa nesse setor, o assunto permanece no terreno das especulações, pois se confrontam ainda os métodos tradicionais com as propostas da cibernética atual.

Apesar de todos os avanços e da necessidade de atender as grandes demandas, o certo é que dificilmente se alcançará um nível de segurança capaz de manter preservada a privacidade do paciente. O risco é a possibilidade de se ter a vida controlada pela máquina, ficando à mercê de uma nova ordem de burocratas e programadores, capazes de concentrar em suas mãos um terrível poder: o da informação. E assim o indivíduo pode se transformar em prisioneiro da máquina ou vítima das injúrias eletrônicas, com a possibilidade de ser manipulado por interesses dominantes, onde grupos privilegiados terão o poder de pressão sobre o segmento social mais fraco, através da mentira, da fraude e da ilusão. Aí, começaríamos a penetrar num terreno ético e político muito nebuloso.

Há de se combater, também, a utopia do racionalismo – devaneio da nova tecnologia -, senão o sistema vai aniquilar o homem, já tragicamente aniquilado, impondo-se outros valores onde poucos pensam e decidem por todos, o que é contrário aos mais elementares princípios democráticos.

A privacidade de um indivíduo é, pois, uma conquista consagrada em todas as sociedades organizadas, um princípio constitucional e um ganho amplamente protegido pelo direito público, regulamentado em nosso país pelo Código Penal. A natureza confidencial do relacionamento médico-paciente é aceita pelos médicos como da maior importância, e também exigida pelos pacientes.

A primeira medida a ser adotada pelas instituições de saúde é o estabelecimento de um critério definido do uso e da revelação dessas informações, no sentido de que apenas se limitem ao essencial e ao justo fim invocado, e que se omitam, ao máximo, os detalhes pessoais nos programas usados pelos sistemas de saúde.

Os pacientes esperam que as informações prestadas sejam mantidas como confidenciais. Além disso, que as informações solicitadas restrinjam-se ao que é necessário e relevante, e que se tenha o cuidado de pedir, sempre, o seu consentimento quando da revelação de dados.

Mesmo na pesquisa, quando seus critérios e objetivos estiverem bem definidos nos protocolos de investigação, ainda assim o hospital ou serviço de saúde deve criar regras claras para o uso das informações programadas, fazendo com que o pesquisador assuma compromissos com a inviolabilidade das confidências e que haja autorização esclarecida de cada paciente incluído no projeto.

Este consentimento é fundamental e a forma mais correta de obtê-lo é através de autorização por escrito, antecedida de esclarecimentos detalhados e de linguagem acessível, onde fiquem claros seus direitos de recusa e de desistência em qualquer fase da pesquisa, além da garantia de continuidade do tratamento pelos métodos convencionais. Nos casos permitidos de pesquisa em paciente menor de idade ou incapaz, deve haver o consentimento esclarecido do seu responsável legal.

Pelas considerações acima restou evidente que a quebra do sigilo profissional não é somente uma grave ofensa à liberdade do indivíduo, uma agressão a sua privacidade ou um atentado ao exercício de sua vontade. É também uma conspiração à ordem pública e aos interesses coletivos.

É claro que o sigilo médico nos tempos hodiernos não mais pode se revestir do mesmo caráter de sacralidade e inviolabilidade da confissão. Sendo assim, a revelação do segredo, em situações mais que justificadas, não pode configurar-se como infração ética ou legal, principalmente quando se visa proteger um interesse contrário superior e mais importante, ou quando o sistema utilizado em favor do paciente não dispõe de salvaguarda, como é o caso da telemedicina.

O Conselho Federal de Medicina, em seu Parecer nº 63/99, sobre a divulgação de assunto médico na rede mundial de computadores (internet), conclui: “Não constitui delito ético a divulgação de assunto médico na Internet, desde que feita nos ditames do Código de Ética Médica e em obediência às normas previstas na Resolução CFM nº 1.036/80 e no Decreto-Lei nº 4.113/42”.

Sempre que houver necessidade de quebra do sigilo, o médico deve fazer constar que a revelação das condições, do diagnóstico ou do prognóstico do paciente foi realizada a pedido desse ou de seus responsáveis legais, por dever legal ou por justa causa. E mesmo assim, em algumas situações de claro comprometimento dos interesses do paciente, deve-se esclarecer-lhe os possíveis prejuízos dessa revelação. A violação do segredo deve ser analisada no conjunto dos interesses de todos quanto possam estar envolvidos.

8.       Conclusões

Recomenda-se, segundo as Normas Éticas de Utilização da Telemedicina da Associação Médica Mundial, que se promovam programas permanentes de formação e avaliação das técnicas de medicina a distância, no tocante à qualidade da relação médico-paciente, sua eficácia e custos; que se elaborem e implementem, junto com as organizações especializadas, normas de exercício capazes de serem usadas como instrumento na formação de médicos e de outros profissionais de saúde capazes de utilizar a telemedicina; que se fomentem a criação de protocolos padronizados; que se incluam os problemas médicos e legais nos programas de teleassistência, como a qualificação dos médicos destes recursos, a forma de responsabilidade ética e legal dos profissionais envolvidos e a obrigação da elaboração dos prontuários médicos; e que se estabeleçam normas para o funcionamento adequado das teleconsultas, onde sejam incluídas as questões ligadas à comercialização e exploração destes sistemas.

Em face do exposto, fica evidente que a telemedicina está em fase de franca expansão e muito necessita de ser estruturada e regulada, notadamente no que diz respeito a suas implicações éticas e legais. Não acreditamos que a velha fórmula da medicina tradicional venha a ser de todo superada, mas com certeza a teleassistência será uma ferramenta a mais para o médico, no futuro, vencer as distâncias e estabelecer propostas mais objetivas de acesso a procedimentos de alta complexidade em favor de comunidades hoje ainda tão desassistidas.

Vencida a euforia de muitos e superados alguns obstáculos que ainda persistem, principalmente ligados à relação médico-paciente, a experiência vem demonstrando que em certas especialidades a contribuição será bem efetiva, sem, contudo, deixar de enfatizar que este método deve ser opção quando não houver condições de exercer a medicina nos seus padrões habituais. E mais: nem todas as comunidades e nem todo cidadão têm condições de adquirir os equipamentos de alta definição e as vias de transmissão de alta velocidade.

A relação física médico-paciente necessita ser melhor regulada, entendendo-se que entre os mesmos vai existir a presença da máquina e que o sigilo das informações recebidas e transmitidas deve ser mantido por mecanismos de total segurança, pois os prontuários eletrônicos dos assistidos não podem ser devassados, tendo em vista o respeito e a garantia da privacidade. Lamentavelmente, o sistema de informações criptografadas é inúmeras vezes mais inseguro que os baseados nas velhas fichas e papéis.

Finalmente, já sabemos que a tecnologia de que dispomos atualmente permite, por via telefônica ou por meio de sinais de rádio digitalizado, canalizar via satélite uma boa recepção de imagens audiovisuais de uma radiografia escaneada, enviar uma ecografia ou um eletrocardiograma até um vídeo a distancia, viabilizar uma consulta entre dois médicos em continentes diferentes, auscultar um coração e invadir uma cavidade no recôndito do corpo humano.

Resta tão-só entender que, mesmo diante de tantos recursos e de tanta necessidade na expansão da assistência médica às comunidades mais desarrimadas, deverá sempre existir o cuidado de se regular por normas de conduta que respeitem a dignidade do paciente e permitam entender que a presença física do médico junto ao mesmo é uma prática dificilmente substituível.

 

DECLARAÇÃO DE TEL AVIV

SOBRE RESPONSABILIDADES E NORMAS ÉTICAS NA UTILIZAÇÃO DA TELEMEDICINA

(Adotada pela 51ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial em Tel Aviv, Israel, em outubro de 1999).

Introdução

1. Durante muitos anos, os médicos têm utilizado a tecnologia das comunicações, como o telefone e o fax, em benefício de seus pacientes. Constantemente se desenvolvem novas técnicas de informação e comunicação que facilitam o intercâmbio de informação entre médicos e também entre médicos e pacientes. A telemedicina é o exercício da medicina à distância, cujas intervenções, diagnósticos, decisões de tratamentos e recomendações estão baseadas em dados, documentos e outra informação transmitida através de sistemas de telecomunicação.

2. A utilização da telemedicina tem muitas vantagens potenciais e sua demanda aumenta cada vez mais. Os pacientes que não têm acesso a especialistas, ou inclusive à atenção básica, podem beneficiar-se muito com esta utilização. Por exemplo, a telemedicina permite a transmissão de imagens médicas para realizar uma avaliação à distancia em especialidades tais como radiologia, patologia, oftalmologia, cardiologia, dermatologia e ortopedia. Isto pode facilitar muito os serviços do especialista, ao mesmo tempo em que diminui os possíveis riscos e custos relativos ao transporte do paciente e/ou a imagem de diagnóstico. Os sistemas de comunicações como a videoconferência e o correio eletrônico permitem aos médicos de diversas especialidades consultar colegas e pacientes com maior freqüência, e manter excelentes resultados dessas consultas. A telecirurgia ou a colaboração eletrônica entre locais sobre telecirurgia, faz com que cirurgiões com menos experiência realizem operações de urgência com o assessoramento e a ajuda de cirurgiões experientes. Os contínuos avanços da tecnologia criam novos sistemas de assistência a pacientes que ampliarão a margem dos benefícios que oferece a telemedicina a muito mais do que existe agora. Ademais, a telemedicina oferece um maior acesso à educação e à pesquisa médica, em especial para os estudantes e os médicos que se encontram em regiões distantes.

3. A Associação Médica Mundial reconhece que, a despeito das conseqüências positivas da telemedicina, existem muito problemas éticos e legais que se apresentam com sua utilização. Em especial, ao eliminar uma consulta em um lugar comum e o intercâmbio pessoal, a telemedicina altera alguns princípios tradicionais que regulam a relação médico-paciente. Portanto, há certas normas e princípios éticos que devem aplicar os médicos que utilizam a telemedicina.

4. Posto que este campo da medicina está crescendo tão rapidamente, esta Declaração deve ser revisada periodicamente a fim de assegurar que se trate dos problemas mais recentes e mais importantes.

Tipos de Telemedicina

5. A possibilidade de que os médicos utilizem a telemedicina depende do acesso à tecnologia e este não é o mesmo em todas as partes do mundo. Sem ser exaustiva, a seguinte lista descreve os usos mais comuns da telemedicina no mundo de hoje.

5.1 Uma interação entre o médico e o paciente geograficamente isolado ou que se encontre em um meio e que não tem acesso a um médico local. Chamada às vezes teleassistência, este tipo está em geral restringido a circunstâncias muito específicas (por exemplo, emergências).

5.2 Uma interação entre o médico e o paciente, onde se transmite informação médica eletronicamente (pressão arterial, eletrocardiogramas, etc.) ao médico, o que permite vigiar regularmente o estado do paciente. Chamada às vezes televigilância, esta se utiliza com mais freqüência aos pacientes com enfermidades crônicas, como a diabetes, hipertensão, deficiências físicas ou gravidezes difíceis. Em alguns casos, pode-se proporcionar uma formação ao paciente ou a um familiar para que receba e transmita a informação necessária. Em outros casos, uma enfermeira, tecnólogo médico ou outra pessoa especialmente qualificada pode faze-lo para obter resultados seguros.

5.3 Uma interação onde o paciente consulta diretamente o médico, utilizando qualquer forma de telecomunicação, incluindo a internet. A teleconsulta ou consulta em conexão direta, onde não há uma presente relação médico-paciente nem exames clínicos, e onde não há um segundo médico no mesmo lugar, cria certos riscos. Por exemplo, incerteza a relativa à confiança, confidencialidade e segurança da informação intercambiada, assim como a identidade e credenciais do médico.

5.4 Uma interação entre dois médicos: um fisicamente presente com o paciente e outro reconhecido por ser muito competente naquele problema médico. A informação médica se transmite eletronicamente ao médico que consulta, quem deve decidir se pode oferecer de forma segura sua opinião, baseada na qualidade e quantidade de informação recebida.

6. Independente do sistema de telemedicina que utiliza o médico, os princípios da ética médica, a que está sujeita mundialmente a profissão médica, nunca devem ser comprometidos.

PRINCÍPIOS

Relação Médico-Paciente

7. A telemedicina não deve afetar adversamente a relação individual médico-paciente. Quando é utilizada de maneira correta, a telemedicina tem o potencial de melhorar esta relação através de mais oportunidades para comunicar-se e um acesso mais fácil de ambas as partes. Como em todos os campos da medicina, a relação médico-paciente deve basear-se no respeito mútuo, na independência de opinião do médico, na autonomia do paciente e na confidencialidade profissional. É essencial que o médico e o paciente possam se identificar com confiança quando se utiliza a telemedicina.

8. A principal aplicação da telemedicina é na situação onde o médico assistente necessita da opinião ou do conselho de outro colega, desde que tenha a permissão do paciente. Sem dúvida, em alguns casos, o único contato do paciente com o médico é através da telemedicina. Idealmente, todos os pacientes que necessitam ajuda médica devem ver seu médico na consulta pessoal e a telemedicina deve limitar-se a situações onde o médico não pode estar fisicamente presente num tempo aceitável e seguro.

9. Quando o paciente pede uma consulta direta de orientação só se deve dar quando o médico já tenha uma relação com o paciente ou tenha um conhecimento adequado do problema que se apresenta, de modo que o médico possa ter uma idéia clara e justificável. Sem dúvida, deve-se reconhecer que muitos serviços de saúde que não contam com relações pré-existentes (como centros de orientação por telefone e certos tipos de serviços) em regiões afastadas são considerados como serviços valiosos e, em geral, funcionam bem dentro de suas estruturas próprias.

10. Numa emergência em que se utilize a telemedicina, a opinião do médico pode se basear em informação incompleta, porém nesses casos, a urgência clínica da situação será o fator determinante para se empregar uma opinião ou um tratamento. Nesta situação excepcional, o médico é responsável legalmente de suas decisões.

Responsabilidades do Médico

11. O médico tem liberdade e completa independência de decidir se utiliza ou recomenda a telemedicina para seu paciente. A decisão de utilizar ou recusar a telemedicina deve basear-se somente no beneficio do paciente.

12. Quando se utiliza a telemedicina diretamente com o paciente, o médico assume a responsabilidade do caso em questão. Isto inclui o diagnóstico, opinião, tratamento e intervenções médicas diretas.

13. O médico que pede a opinião de outro colega é responsável pelo tratamento e por outras decisões e recomendações dadas ao paciente. Sem dúvida, o tele-consultado é responsável ante o médico que trata pela qualidade da opinião que dar e deve especificar as condições em que a opinião é válida. Não está obrigado a participar se não tem o conhecimento, competência ou suficiente informação do paciente para dar uma opinião bem fundamentada.

14. É essencial que o médico que não tem contato direto com o paciente (como o tele-especialista ou um médico que participa na televigilância) possa participar em procedimentos de seguimento, se for necessário.

15. Quando pessoas que não são médicas participam da telemedicina, por exemplo, na recepção ou transmissão de dados, vigilância ou qualquer outro propósito, o médico deve assegurar-se que a formação e a competência destes outros profissionais de saúde seja adequada, a fim de garantir uma utilização apropriada e ética da telemedicina.

Responsabilidade do Paciente

16. Em algumas situações, o assume a responsabilidade da coleta e transmissão de dados ao médico, como nos casos de televigilância. É obrigação do médico assegurar que o paciente tenha uma formação apropriada dos procedimentos necessários, que é fisicamente capaz e que entende bem a importância de sua responsabilidade no processo. O mesmo princípio se deve aplicar a um membro da família ou a outra pessoa que ajude o paciente a utilizar a telemedicina.

O Consentimento e Confidencialidade do Paciente

17. As regras correntes do consentimento e confidencialidade do paciente também se aplicam às situações da telemedicina. A informação sobre o paciente só pode ser transmitida ao médico ou a outro profissional de saúde se isso for permitido pelo paciente com seu consentimento esclarecido. A informação transmitida deve ser pertinente ao problema em questão. Devido aos riscos de filtração de informações inerentes a certos tipos de comunicação eletrônica, o médico tem a obrigação de assegurar que sejam aplicadas todas as normas de medidas de segurança estabelecidas para proteger a confidencialidade do paciente.

Qualidade da Atenção e Segurança na Telemedicina

18. O médico que utiliza a telemedicina é responsável pela qualidade da atenção que recebe o paciente e não deve optar pela consulta de telemedicina, a menos que considere que é a melhor opção disponível. Para esta decisão o médico deve levar em conta a qualidade, o acesso e custo.

19. Deve-se usar regularmente medidas de avaliação da qualidade, a fim de assegurar o melhor diagnóstico e tratamento possíveis na telemedicina. O médico não deve utilizar a telemedicina sem assegurar-se de que a equipe encarregada do o procedimento seja de um nível de qualidade suficientemente alto, que funcione de forma adequada e que cumpra com as normas recomendadas. Deve-se dispor de sistemas de suporte em casos de emergência. Deve-se utilizar controles de qualidade e procedimentos de avaliação para vigiar a precisão e a qualidade da informação coletada e transmitida. Para todas as comunicações da telemedicina deve-se contar com um protocolo estabelecido que inclua os assuntos relacionados com as medidas apropriadas que se devem tomar em casos de falta da equipe ou se um paciente tem problemas durante a utilização da telemedicina

Qualidade da informação

20. O médico que exerce a medicina à distancia sem ver o paciente deve avaliar cuidadosamente a informação que recebe. O médico só pode dar opiniões e recomendações ou tomar decisões médicas, se a qualidade da informação recebida é suficiente e pertinente para o cerne da questão.

Autorização e Competência para Utilizar a Telemedicina

21. A telemedicina oferece a oportunidade de aumentar o uso eficaz dos recursos humanos médicos no mundo inteiro e deve estar aberta a todos os médicos, inclusive através das fronteiras nacionais.

22. O médico que utiliza a telemedicina deve estar autorizado a exercer a medicina no país ou estado onde reside e deve ser competente na sua especialidade. Quando utilizar a telemedicina diretamente a um paciente localizado em outro país ou estado, o médico deve estar autorizado a exercer no referido estado ou país, ou deve ser um serviço aprovado internacionalmente.

História Clínica do Paciente

23. Todos os médicos que utilizam a telemedicina devem manter prontuários clínicos adequados dos pacientes e todos os aspectos de cada caso devem estar documentados devidamente. Deve-se registrar o método de identificação do paciente e também a quantidade e qualidade da informação recebida. Deve-se registrar adequadamente os achados, recomendações e serviços de telemedicina utilizados e se deve fazer todo o possível para assegurar a durabilidade e a exatidão da informação arquivada.

24. O especialista que é consultado através da telemedicina também deve manter um prontuário clínico detalhado das opiniões que oferece e também da informação que se baseou.

25. Os métodos eletrônicos de arquivamento e transmissão da informação do paciente, só podem ser utilizados quando se tenham tomado medidas suficientes para proteger a confidencialidade e a segurança da informação registrada ou intercambiada.

Formação em Telemedicina

26. A telemedicina é um campo promissor para o exercício da medicina e a formação neste campo deve ser parte da educação médica básica e continuada. Deve-se oferecer oportunidades a todos os médicos e outros profissionais de saúde interessados na telemedicina.

Recomendações

27. A Associação Médica Mundial recomenda que as associações médicas nacionais:

27.1 Adotem a Declaração da Associação Médica Mundial sobre as Responsabilidades e Normas Éticas na Utilização da Telemedicina;

27.2 Promovam programas de formação e de avaliação das técnicas de telemedicina, no que concerne à qualidade da atenção relação médico-paciente e eficácia quanto a custos;

27.3 Elaborem e implementem, junto com as organizações especializadas, normas de exercício que devem ser usadas como um instrumento na formação de médicos e outros profissionais de saúde que possam utilizar a telemedicina;

27.4 Fomentem a criação de protocolos padronizados para aplicação nacional e internacional que incluam os problemas médicos e legais, como a inscrição e responsabilidade do médico, e o estado legal dos prontuários médicos eletrônicos, e

27.5 Estabeleçam normas para o funcionamento adequado das teleconsultas e que incluam também os problemas da comercialização e da exploração generalizadas.

            28. A Associação Médica Mundial segue observando a utilização da telemedicina em suas distintas formas.

 

Referências bibliográficas

1.       Clemmer, TP – The role of medical informatics in telemedicine, J Méd Syst 1995, 19:47-58.

2.       Ferkiss, V – O homem tecnológico, Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

3.       França, GV – Comentários ao Código de Ética Médica, 3ª edição, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S/A, 2000.

4.       Galán Cortés, JC – Aspectos legales de la relación clínica, Madrid: Jarpyo Editores S/A, 2000.

5.       Rickey, JD – Telemedicine – there’s no place like home, For The Record, vol. 12, nº 9, pags. 19-23, 2000.

6.       Wootton, R – European Telemedicine 1998/1999, Londres: Ed. Kensington Publicastiomns, 1999.

 


 

NOTAS:

El presente artículo está contenido en el Capítulo do livro, del mismo autor, “Direito Médico”, 7ª edição, São Paulo: Fundo Editorial Byk, 2001.

 


(*) Médico, Profesor, conferencista internacional en Derecho Médico, Titular de Medicina Legal  Universidad Federal da Paraíba - Brasil; Profesor Titular de Medicina Legal  Escuela Superior de la Magistratura, Paraíba - Brasil; Vice-Presidente de la  Sociedad Brasilera de Medicina Legal; Socio Fundador y  Miembro de la Junta Directiva de la  Sociedad Iberoamericana de Derecho Médico. Profesor Visitante Universidad Estadual de Montes Claros - Minas Gerais - Brasil. Autor de diversos libros y publicaciones en materia de Derecho Médico. Presidente Honorario de la Sociedad Brasilera de Derecho Médico(SODIME)

Dirección del autor:

Calle Santos Coelho Neto, 200 – Apt. 1102 

58038-450 – João Pessoa – Paraíba

E-mail: gvfranca@openline.com.br

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