Revista Jurídica Cajamarca |
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AIDS-Um enfoque bioéticoGenival Veloso de França (*) |
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Resumo:
O
autor focaliza a gravidade desta doença e chama a atenção
principalmente para os preconceito em torno de seus aspectos epidêmico,
moral e imunológico. Insiste em dizer que é obrigação do poder público dar as
condições necessárias para tratar esses doentes com a dignidade que
merece a condição humana, e faz ver à própria sociedade que a única
forma de vencer essa doença é protegendo e amparando os que estão
sendo atingidos. Unitermos:
Aids. Epidemia. Viremia.
Acredito
que, em nenhum momento da existência humana, jamais houve um inimigo
biológico mais poderoso, capaz de trazer tantos desafios e de confundir
tanto a opinião pública como a Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida (AIDS). Certamente, ainda vamos permanecer atônitos e
perplexos por muito tempo, mesmo depois da descoberta do seu tratamento,
porque inúmeras são as implicações dessa nova ordem no contexto das
relações sociais. Nenhuma doença trouxe, no seu conjunto, tanta
perplexidade e inquietação quanto a AIDS, seja no seu aspecto epidêmico,
moral ou imunológico, seja no seu caráter incurável e letal. Pelo
menos, é assim que ela é vista por muitos. E o pior: toda vez que
discriminamos as vitimas, fortalecemos mais e mais a doença.
No entanto, a partir do instante de uma reflexão mais atenta,
começamos a enxergar uma multidão de fatos que alucina e dá à AIDS
um rótulo maldito e fatal. Mas, tão contraditório, a ponto de não
existir ainda uma resposta imediata para justificar o seu aparecimento,
se ela é ou não uma doença atual e qual a razão de sua trágica
rapidez. Seria ela uma nova doença tão ao gosto das mentes
especulativas ou apenas a reorganização sistemática de uma propedêutica
sobre o que já existia?
Mesmo que a intuição científica leve a crer que estamos
marchando para a cura da AIDS, muitas verdades médicas ainda não foram
reveladas e o preconceito continua a crescer como uma avalanche
arrasadora. O perigo de tal avanço é que essa doença saia do corpo
dos pacientes e permaneça na imaginação de todos, estigmatizada pela
discriminação odiosa e fantasiada pelo modismo que contamina os
doentes, a sociedade e os próprios médicos. O risco, portanto, é se
transformar a AIDS numa ficção, ou criar-se uma ideologia política
autoritária capaz de promover o medo como controle social mais
rigoroso.
Quando se disse, no início, que ela seria uma entidade dos
homossexuais, era de fato dos homossexuais porque apenas neles se
procurou a doença. Depois, afirmou-se que podia ser ainda dos
consumidores de drogas injetáveis e passou a ser igualmente deles.
Agora, é também dos heterossexuais, e a sua incidência, segundo essa
visão, é cada vez maior.
Já se acredita que, sendo a AIDS uma virose clássica e tendo
como via principal de contágio o ato sexual, e admitindo-se como
verdadeiro que as pessoas são, em sua maioria, heterossexuais, no
futuro, não muito distante, a prevalência dos pacientes e infectados,
seria de heterossexuais.
O fato é que hoje, em toda parte, os portadores de AIDS
enfrentam uma situação constrangedora. Sofrem o horror de uma doença
que os estigmatiza no convívio social e os avilta na luta pelos meios
de sobrevivência. São doentes marginais do desprezo e do abandono,
mesmo dos que lhes são próximos. Negam-lhes tudo: o afeto, a estima, a
solidariedade e, até, o direito de morrer com dignidade.
Vejamos algumas situações: A
esterilização dos HIV – positivos
Qualquer que seja o andamento da discussão que favorece a
esterilização humana, como forma de inserção numa política de
planejamento demográfico, não existe nenhuma justificativa de ordem ética
ou legal, capaz de legitimar essa prática em pessoas portadoras de
sorologia positiva para o vírus da imunodeficiência humana (HIV),
porque qualquer forma de insinuação eugênica traz sempre o ranço do
constrangimento e as marcas da intolerância.
Mais grave do que esterilizar um homem ou uma mulher, hígido e
capaz, é invadir a intimidade de um ser humano, aviltando-o na sua
dignidade e mutilando-o nas suas funções, unicamente com o sentido
de privar a sociedade da responsabilidade, da vigilância e dos
cuidados, pelo fato de ser portador - mais de um estigma do que de uma
doença, deixando bem claro o indisfarçado preconceito contra esses
indivíduos, expostos quase sempre às crueldades de uma sociedade hipócrita
e egoísta. O
aborto da mulher infectada pelo HIV
Ainda que exista o risco da contaminação ou de doença do feto,
não se permite legalmente nem se considera eticamente defensável a prática
do abortamento da mulher infectada pelo HIV. O Código de Ética Médica
em vigor, em consonância com a legislação penal brasileira, só
admite o aborto em duas situações: para salvar a vida da gestante ou
nos casos de gravidez resultante de estupro.
Pelo fato de se tratar de uma matéria sem resposta definitiva,
no que diz respeito à influência da sorologia positiva no processo
gestacional e da própria saúde do feto, minha opinião é que não
existe nenhum argumento ético, jurídico ou técnico, capaz de
fundamentar a interrupção de uma gravidez numa portadora de
HIV-positiva ou mesmo de uma doença de AIDS, a não ser que suas condições
de saúde sejam agravadas pela gestação, que cessada a gravidez cesse
o perigo e que não haja outro meio de salvar-lhe a vida. A
gestante HIV-positiva
Ainda que exista uma possibilidade de morte precoce, de
sofrimento oriundo da doença, de riscos de contaminação do feto e de
informações desestimuladoras, esses fatos nem sempre têm desanimado
as mulheres HIV-positivas na sua decisão de engravidar. Não se sabe
ainda, por exemplo, a época exata da contaminação - se durante a vida
intra-uterina ou se no momento do parto, mas, uma coisa é certa: a
gravidez, nesta hipótese, não melhora nem piora as condições imunológicas
das gestantes.
Assim, seja qual for a entendimento que se tenha a respeito da
transmissão, das formas de infecção e do mecanismo de contágio, o médico
não pode impedir essa mulher de engravidar e ter seu filho, se esse é
o seu desejo. Mas, tão-somente, oferecer-lhe todos os meios e recursos
necessários e disponíveis para uma gestação nestas condições.
Nenhum médico e nenhuma instituição de saúde pode negar-lhe assistência,
pois isso é um ditame ético exigido a todos aqueles que professam a
medicina, mesmo que possam ter um entendimento diverso sobre a questão,
no seu plano conceitual e doutrinário.
Qualquer que seja a posição no sentido de que todas as
gestantes façam ou não o teste sorológico, ou apenas aquelas de
comportamento de risco, dois fatos são imperativos: primeiro, que o
teste seja voluntário e que diante de sua negativa seja assegurado o
acompanhamento do pré-natal
e do parto; segundo, que
seja garantido o sigilo do resultado. A infecção pelo HIV e o recém-nascido
Ninguém discute aqui o valor e a procedência do diagnóstico precoce da
infecção, permitindo à mulher utilizar-se de processos contraceptivos
capazes de evitar a gravidez em tal estado, ou como forma de orientação
de cuidados pré e pós-natais, no sentido de reduzir ao máximo risco
da contaminação do feto ou do recém-nascido, além dos procedimentos
necessários ao infante eventualmente infectado. Aqui também o exame
deve ser facultativo, embora se deva registrar em prontuário a recusa
da mãe gestante, principalmente se é ela do grupo chamado de
procedimento de risco. O sigilo, quanto ao resultado, torna-se da mesma
maneira obrigatório. O
sigilo como instrumento social
É imperioso lembrar que o segredo médico é um direito do
paciente, como forma definitiva de conquista da cidadania e somente a
ele cabe abrir mão desse privilégio. A não ser nas duas outras situações
que o Código de Ética Médica desobriga: por justa
causa ou por dever legal. O paciente infectado pelo HIV não foge a essa regra.
Se o paciente, neste particular, manifesta o desejo de que seus
familiares não tenham conhecimento de suas condições, ainda assim
deve o médico respeitar tal decisão, persistindo essa proibição de
quebra de sigilo mesmo após a sua morte. No entanto, é providencial
que se exija do portador do HIV-positivo a designação de uma pessoa de
sua inteira confiança para servir de intermediário entre ele e quem o
assiste, e que o paciente colabore no sentido de cientificar aos seus
parceiros sexuais ou membros de grupo de uso de drogas pesadas, no
intuito de evitar a propagação do mal. Por outro lado, é obrigatória
a notificação de todos os casos suspeitos ou com diagnóstico
confirmado de AIDS. Não deve haver notificação dos casos de pessoas
simplesmente infectadas pelo HIV.
Desse modo, só será permitida a quebra do sigilo profissional
quando houver expressa autorização do paciente ou de seus responsáveis
legais; por dever legal, nos caos de notificação compulsória à
autoridade sanitária ou em preenchimento de atestado de óbito de
portadores de AIDS; ou, por justa causa, nas situações de proteção
da vida e da saúde de terceiros – quando membro de grupos de uso de
drogas injetáveis ou comunicante sexual, ou o próprio paciente,
recusar-se lhes fornecer informações quanto a sua condição de
infectado.
Se os portadores de HIV confiarem na preservação do sigilo das
informações prestadas às equipes multiprofissionais que cuidam desses
casos, e que somente na condição de doentes de AIDS haveria comunicação
aos setores sanitários responsáveis, além da certeza do respeito a
sua privacidade, estaria resolvida, em parte, a questão dos exames periódicos
voluntários, contribuindo de forma significativa para o controle e a
avaliação do quadro epidemiológico. A
inconveniência dos testes pré-admissionais
Uma das formas de preconceito mais evidente, na relação com
possíveis portadores do HIV, é a solicitação de exames pré-admissionais
que se vem impondo como condição de ingresso no trabalho, na escola e,
até mesmo, no internamento hospitalar, na expectativa de surpreender
indivíduos sorologicamente positivos.
Entendo que não existe qualquer justificativa técnica ou científica
para tais exames. Quem necessita saber sobre esses resultados são os próprios
indivíduos e as autoridades sanitárias que organizam suas campanhas e
medem a extensão do problema. Agindo-se de tal maneira contra os
soropositivos além dos despropósitos ético e científico, o critério
é humilhante e contrário aos interesses sociais, pois desagrega
o indivíduo, empurrando-o para a marginalidade sem as
possibilidades de trabalho, sem a assistência médica e sem as condições
financeiras que favoreçam sua sobrevivência.
No que se refere à posição dos médicos de empresas ou de
juntas oficiais, todas as informações obtidas sobre esse assunto,
devem ser transmitidas apenas ao paciente. Qualquer informação sobre o
empregado ao empregador, limitar-se á à aptidão ou à não aptidão
do trabalhador, e se temporária ou permanente para o desempenho de
determinadas funções. A realização de testes sorológicos por imposição
do empregador não encontra amparo técnico, científico ou moral, sendo
esse assunto do interesse da autoridade sanitária. Até mesmo o poder público
reconheceu seu equívoco, ao decidir, na Portaria Interministerial nº
869, de 11 de agosto de 1992, dos Ministérios da Saúde e do Trabalho e
da Administração, “proibir, no âmbito do serviço público, a exigência
de testes de detecção de vírus da imunodeficiência adquirida, tanto
nos testes pré-admissionais quanto nos exames periódicos de saúde”,
considerando que a sorologia positiva não acarreta prejuízo da
capacidade laborativa do seu portador, que os convívios social e
profissional com portadores do vírus não configuram situações de
risco, que a solidariedade e o combate à discriminação são fórmulas
que a sociedade dispõe para minorar o problema e que essas situações
devem ser conduzidas segundo os preceitos da ética e do sigilo.
O Conselho Federal de Medicina determinou, através da Resolução
CFM nº 1.359/92, que é vedada a realização compulsória da sorologia
para HIV, em especial como condição necessária à internação
hospitalar, pré-operatório, ou exames pré-admissionais ou periódicos
e, ainda, em estabelecimentos prisionais.
Por fim, é bom que se enfatize ser a identificação de
pacientes HIV-positivos em internamento hospitalar, uma estratégia sem
muita sustentação moral e nenhuma argumentação técnica, pois, na
urgência, onde os aludidos riscos seriam mais evidentes, não haveria
tempo para esperar o resultado sorológico. Haveria ainda o risco dos
pacientes com viremia e sorologicamente negativos, e os casos dos que se
negassem a tais exames. Os pacientes, por sua vez, notadamente os
submetidos a procedimentos invasivos, teriam também o direito de
exigir, com muito mais razão, o teste dos médicos. O que se deve
exigir urgentemente é um nível sério de cuidados, na proteção de
todos os profissionais de saúde, com enfoque para aqueles casos onde a
contaminação sangüínea seja possível. No entanto, se alguma
instituição quiser exigir a triagem sorológica dos pacientes não
emergências, para que esse modelo venha ser eticamente discutível, é
necessário que o exame seja voluntário e informado, que o paciente ao
não aceitar o teste possa ser tratado sem nenhuma restrição, e que o
paciente positivo tenha garantia do sigilo em relação ao resultado do
exame e não sofra qualquer prejuízo na qualidade da assistência
requerida. O
problema do menor infectado em estabelecimentos correcionais
Das tantas complexidades do problema, certamente, a mais complexa
é a do posicionamento a ser adotado pela equipe médica, em face da
solicitação de autoridade judicial ou administrativa, sobre o
fornecimento de dados relativos a menores infratores e detentos do
sistema correcional, portadores de sorologia positiva para o HIV.
Em primeiro lugar, o médico não deve revelar às autoridades
administrativas dos sistemas correcionais a identidade dos menores
infratores com sorologia positiva. Não estaria justificada a quebra do
sigilo pela suposta necessidade de adoção de medidas profiláticas,
pois de nada adiantaria tal identificação, quando se sabe não existir
nenhum procedimento que possa trazer benefícios ou que respeite à
dignidade do menor, aumentando, isso sim, os riscos de segregação e de
hostilidade. O que se deve fazer urgentemente, é melhorar as condições
do atendimento nessas instituições, hoje tão precárias e desumanas.
Depois, acho conveniente revelar o fato aos pais ou aos seus responsáveis
legais - no caso em tela, o juiz - por entender que aquele menor não
tem a capacidade de avaliar seu problema e de conduzir-se por seus próprios
meios para solucioná-los, como recomenda o artigo 103 do Código de Ética
Médica.
E, por fim, acredito ser necessária a revelação do segredo à
equipe multidisciplinar, que trata também do menor, por considerar que
a solução do problema não é da exclusiva competência médica, mas
de tantos outros profissionais, os quais, também, sujeitos à
obrigatoriedade do sigilo. A
postura do médico infectado
O médico infectado, como todos os pacientes, tem o direito à
privacidade, ao sigilo e ao respeito que toda pessoa merece, não se
podendo privar dele suas atividades no convívio social e do trabalho,
respeitadas, é claro, as condições que seu estado de saúde permite e
o tipo de atividade exercida.
Por outro lado, não se pode aceitar as recomendações do Centro
de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC), a partir de
possibilidades remotas de transmissão do HIV, quando trata dos
profissionais de saúde infectados. Em primeiro lugar, não há razões
de ordem técnica ou moral para a realização sistemática e compulsória
de sorologia anti-HIV em profissionais mais expostos, pois o risco de
contaminação em alguns casos é quase nulo. Discute-se se existe ou não
a necessidade da comunicação aos pacientes sobre a condição sorológica
dos médicos infectados, que possam se envolver nos chamados
procedimentos invasivos (atos sujeitos a risco de contaminação por
perfuração acidental percutânea do profissional, através de contato
do seu sangue com tecidos do paciente). Pessoalmente, entendo que sim: o
médico deve dizer ao paciente que é portador do HIV-positivo. Também não se vê a necessidade do impedimento de
profissionais infectados de trabalharem normalmente em tarefas compatíveis
com as suas condições de saúde e em determinadas modalidades de
trabalho sem risco de contaminação. No entanto, recomenda-se que o médico
portador da sorologia positiva para HIV, sponte sua, evite
ou tome determinados cuidados com certos atos, principalmente nos
procedimentos invasivos ou na manipulação de instrumental cortante ou
perfurante capaz de passar sangue acidentalmente para o paciente, mesmo
tendo em conta a probabilidade mínima
de contaminação nesses casos. Não se considera errado o fato da direção
do corpo clínico discutir, caso a caso, a participação de cada
profissional reconhecido como infectado, a partir do momento em que se
evidencia atitudes mais imprudentes por parte do médico em questão,
pois deixar o problema sem nenhum controle também seria uma conduta
irresponsável. Em suma, o médico infectado pelo HIV, como qualquer outra
pessoa, deverá ter sua privacidade respeitada, não existindo a
necessidade dele informar sobre sua situação. Todavia, havendo
acidentes em procedimentos invasivos, o médico que conhece seu estado
sorológico está obrigado eticamente a levar o fato ao conhecimento das
equipes de suporte e orientação, como, também, é dever moral dessas
equipes ou do próprio médico, informarem o paciente sobre o possível
risco e orientá-lo para os exames de praxe. Sendo o médico não-infectado
e o paciente reconhecido como portador de sorologia positiva, havendo
acidente em procedimento invasivo ou acidente com instrumental cortante
ou pontiagudo, o médico tem de procurar aquelas equipes de orientação
e submeter-se ao exame sorológico necessário.
A
postura do médico ante os doentes e infectados pelo HIV
Nenhum médico pode recusar o atendimento profissional a
pacientes portadores do vírus da imunodeficiência humana, pois essa
assistência representa um imperativo moral da profissão médica. Assim
se reporta em tom dogmático a Resolução CFM n° 1.359, de 11 de
novembro de 1992.
Levando em conta que a medicina é uma profissão voltada para a
saúde do ser humano e da coletividade e deve ser exercida sem nenhuma
forma de discriminação; que a AIDS continua avançando e mudando seu
perfil epidemiológico quando agride os diferentes grupos populacionais;
e que o impacto da doença é medonho e limita o paciente, vulnerando-o
física, moral, social e psicologicamente, tem-se de admitir que a
obrigatoriedade do atendimento há de ser extensiva a todas as instituições
de saúde, sejam elas públicas, privadas ou ditas filantrópicas.
É preciso também que esse atendimento seja integral e compatível
com as normas de bio-segurança recomendadas pela Organização Mundial
de Saúde e pelo Ministério da Saúde, e, por isso, não se pode
aventar qualquer forma de desconhecimento ou falta de condições técnicas
para recusar a assistência. Essas instituições devem também
propiciar a todos os profissionais de saúde condições técnicas para
recusar a assistência. Essas instituições devem também propiciar a
todos os profissionais de saúde condições dignas para o exercício da
profissão, inclusive os recursos para a proteção contra a infecção,
com base nos conhecimentos científicos disponíveis. A garantia dessas
condições de atendimento é de responsabilidade do Diretor Técnico de
cada estabelecimento de saúde. A infecção pelo HIV e o paciente que vai morrer
No
que se refere ao paciente terminal, acometido de AIDS, a conduta médica
deve ser a mesma que se recomenda para todos os pacientes nesta
situação de insalvável, que não esteja nas condições dos
doentes privados da vida de relação e do controle da vida vegetativa.
Deste modo não há como se permitir qualquer postura que não seja a da
obrigação do médico em cuidar do paciente, utilizando-se
dos recursos de manutenção da vida na sua fase terminal,
independente da vontade dos familiares e, até mesmo, do próprio
paciente nos chamados “testamentos em vida”, o qual não pode
sujeitar o profissional a atitudes de confronto com sua consciência,
com a norma e com seu Código de Ética. As
deficiências da legislação brasileira
Partindo do princípio de que as questões de saúde pública
representam um direito inerente à cidadania e uma irrecusável e
fundamental obrigação do Estado, cabe, através de uma estratégia bem
articulada junto ao Sistema Único de Saúde, uma atenção desdobrada
à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento da AIDS, assim como uma
abordagem mais séria em favor dos infectados pelo HIV.
Ninguém pode desconhecer que esta doença é uma entidade sorológica
grave, de evolução rápida e caminhando quase sempre para a morte e
que, devido a suas características epidemiológicas, tende a se
transformar num sério problema de saúde pública, necessitando, também,
de um encaminhamento que não
deixe de contar com a participação de todos no seu controle e prevenção.
Assim, é imperativo, antes de tudo, a participação democrática de
todos os segmentos organizados e representativos da sociedade, a fim de
pressionar o Estado a assumir, por decisão política, uma postura capaz
de garantir a mais ampla cobertura sobre o problema.
Atualmente, muitos são os países que contam com normas específicas
que regulam os direitos dos pacientes aidéticos e dos infectados, desde
a proibição da rejeição de crianças sorologicamente positivas em
escolas e creches, até a censura aos pedidos de testes para o HIV de
pacientes em internamentos hospitalares.
Primeiro é necessário que se assegure a esses pacientes o
acesso ao tratamento adequado, seja no ambulatório, no hospital ou no
domicilio, incluindo nisso o fornecimento gratuito de medicamentos
necessários e eficazes no tratamento da AIDS, aprovados pelo Ministério
da Saúde, afim de que essas ocorrências não se transformem em
"casos de polícia". Defendo também a idéia - embora
criticada por alguns, que se estipule em cada hospital público ou
privado, qualquer que seja sua especialidade, um número mínimo de
leitos para tratamento desses pacientes, como forma de impedir que eles
sejam rejeitados no internamento, por motivo de discriminação ou má
vontade, mesmo sabendo da disponibilidade de leitos em nosso país.
Advogo também a idéia de não se criar leitos destinados aos
pacientes apenas infectados pelo HIV, que por ventura se internem nos
hospitais para tratamento clínico ou cirúrgico, pois inevitavelmente
seriam discriminados, dando-se, inclusive, oportunidade para a exigência
dos testes pré-admissionais, convertendo-se em expediente vexatório,
hostilizante e segregador. Nessa legislação deve ficar bem claro o direito que tem o
paciente HIV-positivo da manutenção do sigilo médico, do respeito a
sua privacidade, o impedimento de demissão sem justa causa do seu
trabalho, a proibição da divulgação do seu nome ou de seus parentes
em listas de resultados de exames e o direito de ter solicitados seus
exames complementares quando pedidos pelos seus médicos assistentes.
É necessário ainda que se estipule espaços gratuitos nos meios
de comunicação para divulgação desses interesses, a garantia dos
pacientes aidéticos a todos os direitos trabalhistas, previdenciários
e administrativos, além de assistência jurídica gratuita, acesso fácil
e sem ônus ao tratamento dos hemofílicos como forma de prevenção à
AIDS, direito de receber
visitas no hospital, de atendimento médico de urgência e de intercorrências
clínicas e o de ter seu corpo velado em locais e condições
respeitosas, de acordo com a reverência que se deve à dignidade
humana. .
Outro fato é o da criação de serviços de diagnóstico
gratuitos, estimulando-se assim os indivíduos ao auto-exame, sem nenhum
ônus e cujos resultados sejam dados através de meios que não
identifiquem o paciente, mantendo-se o respeito a sua privacidade. Essa
seria uma forma de fazer com que um maior número de pessoas procurem
esses exames.
Desestimar de uma vez por todas, não através de uma portaria,
mas por meio de uma lei, a exigência de testes sorológicos para o HIV
aos candidatos de concurso público ou ao acesso a empresas privadas,
mesmo sabendo que um mandato de segurança, neste particular, seria um
remédio tranqüilo e eficaz.
Ficar evidente na legislação a proibição da exigência de
testes compulsórios de sorologia para o HIV, como condição obrigatória
de internamento hospitalar, pré-operatório, assim como nos indivíduos
recolhidos em estabelecimentos penitenciários, ou de internação,
antes de serem recolhidos. Isso não tem nenhum subsídio técnico ou
científico, nem ajudaria em nada esse problema, a não ser fomentar a
discriminação e a intolerância. Conclusão
Se quisermos efetivamente lutar e vencer esse mal, devemos em
primeiro lugar, não procurarmos explicações absurdas para justificar
nossa indiferença e as nossas limitações. Depois, ficar ao lado dos
que estão sendo vitimados pelo flagelo da AIDS, neste instante tão
amargo da história da humanidade.
Mesmo admitindo-se que essa doença seja, em parte, uma invenção
nossa, ninguém pode escamotear a sua gravidade como entidade epidêmica,
que agride o sistema imunológico de forma complexa, de assustadora
rapidez e, até agora, incurável.
Urge, ainda - hoje, mais do que nunca - exigir do poder público
as condições necessárias para tratar esses doentes com a dignidade
que merece a condição humana, e fazer ver à própria sociedade que a
única forma de vencer essa doença é protegendo e amparando os que estão
sendo atingidos. E também denunciar todas as injustiças cometidas,
mitigando as suas dores e compreendendo sua dolorosa solidão na hora do
sofrimento e da morte.
A cura virá, não igualmente para todos. É apenas uma questão
de tempo.
Essas e outras epidemias passarão. Assim está escrito. O que
fica, infelizmente, é a indiferença que o homem carrega consigo mesmo
e a falta de convicção de que seu destino está inexoravelmente preso
ao destino do outro. Se não, cabe uma mea
culpa universal. Referências
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nossa desconhecida.São Paulo: Brasiliense,1985. 2.
Foucault M. História da
sexualidade. A vontade de saber. vol. I, Rio de Janeiro:
Graal, 1984. 3.França,
GV. Comentários ao Código de Ética Médica, 3ª edição, Rio:
Editora Guanabara Koogan S/A, 2000. 4.
França GV. Direito Médico. 6ª
edição, São Paulo: Fundo Editorial Byk, 1995. 5.
Levi G. Síndrome da imunodeficiência
adquirida (AIDS). Revista da Associação Médica Brasileira, vol.
31, n°. 9/10, 1985. 6.
Sontag S. A doença como metáfora.Rio
de Janeiro: Graal, 1984.
(**) Professor Visitante da Universidade Estadual de Montes Claros (MG)
Profesor
Titular de Medicina Legal y Deontología Médica de la Universidad
Federal de la Paraíba, Miembro
de la Junta Directiva de Sociedad Iberoamericana de Derecho Medico Profesor
de Medicina legal de la
Escuela Superior de la Magistratura de la Paraíba, Vicepresidente
de la Asociación Brasileña de Medicina Legal,
Miembro Titular de la Academia Internacional de Medicina Legal y
Medicina Social, Miembro Titular de la Academia
Brasileña de Ciencias Médico-Sociales, Miembro
Titular de la Academia Paraibana de Medicina, Profesor
invitado del Curso Superior de Medicina Legal de la Universidad de
Coimbra de Portugal (Brasil). http://www.direitomedico.com.br/genival http://www.openline.com.br/~gvfranca E mail: gvfranca@openline.com.br |
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